arte por bagadefente

Nymphaea

Baga Defente
3 min readJan 28, 2016

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os dedos dos nossos pés s’esfregando com força, carinho, fora daquela coberta peludinha numa noite fria enquanto um demônio milenar preso no alçapão emitia sons estranhos.

os nossos dedos dos pés s’explorando com curiosidade, cumplicidade, numa noite morna fora daquele lençol puído enquanto, em suposta estereoscopia, um casal se masturbava.

chegamos a comentar dos dedos, rindo. a gente ri bastante, saca uns syncs bacanas, né? tipo aquele lance do beatle jorge quando o júpiter morreu, ou a foto dos vários gatinhos no mesmo dia que teve a invasão felina em casa, coisas desse tipo. a frase anterior saiu curiosa: começa e termina com a mesma palavra.

e quando finalmente nos encontramos offline, naquele primeiro abraço já nos sentimos sinceros, acalento. naquela primeira noite já fomos fatais, suei pra caralho, tsunami. enquanto o dia nascia, adorei tuas pernas, tua bunda, as curvas das tuas costelas: são lindas & suaves as curvas das tuas costelas. também a tua tatuagem feia inspirada numa linda lenda, que uns dias depois eu quase esqueci. cê já percebeu que minha memória recente vai de mal a pior, né? cometo várias gafes por causa disso, é foda, daquela menina muito linda que eu conheci e não me lembrava, às histórias que te conto mais de uma vez; das coisas que você me fala até o que que eu fui fazer na sala agora há pouco quanto levantei e nem sete passos depois eu já havia esquecido. mas lembro que na cachoeira você citou heráclito. e a junção do dia e mês do seu aniversário dá o ano do seu nascimento. assustei quando me disse sua idade.

falando em gafe, teve, logo no primeiro day after, quando acordamos juntos (sexo matinal é meu favorito), na cozinha, eu tomando um gole d’água direto da garrafa de vidro quando, creio que rindo de algo, engasguei e cuspi tudo na sua cara. você riu, eu ri, rachamos. apesar da mancada, outro momento legal, né? depois disso, ou antes, mas acho que depois, você fez algo que em condições normais de temperatura e pressão poderia ter pego mal. mas também rimos. tô aqui quebrando a cabeça, mas, óbvio, não lembro o quê. lembras? só sei que foi equivalente, então ficamos quites.

neste mesmo dia, ou n’outro, tanto faz, você perguntou posso usar seu chinelo? claro, respondi, mas logo pensei claro, bonita, só não usa meu coração, tá? porque eu sou romântico, já sabes disso. e melancólico. mas sou simpático. sou chato, mas sou legal. você é legal também. a gente somos legals. a gente conversa bastante, se acaricia, chego a ronronar. isso também é legal. daí no começo da tarde, no auge da beleza serena & inócua de quem come um pão de queijo com café após uma manhã lascivamente preguiçosa, você aponta o dedo pra mim e, incisiva, fala não vai se apaixonar. ok. você também não, tá?

nenúfar. você me apresentou essa palavra, sinônimo de ninfeia. que de acordo com o tal novo acordo perdeu o acento por terminar em ditongo. ainda prefiro ninféia à ninfeia. o editor de texto no qual escrevo também: o corretor marca como errado ninfeia, e não ninféia. fora que ninfeia parece uma ninfeta feita. talvez por isso eu simpatize com a versão mais barroca da grafia, Nymphaea — maiúscula por se tratar de gênero botânico.

naquela tarde, de pé na água, piquenique pendurado na árvore, essas duas palavras, mesmo sendo paroxítonas, me fizeram perceber como as proparoxítonas me encantam. térmica, escápula, síndrome, galática... você é uma palavra oxítona, mas também me encanta. de você eu também gosto muito, paixão de verão? mas sigo tentando seguir nosso acordo. até por isso, ao invés dum lindo poema vomitado, escrevo este conto torto, fora de esquadro.

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